sábado, 14 de março de 2009

"No mundo convulsionado..."

No mundo convulsionado em que vivemos, tudo o que está em pé tende a cair. E, há quem caia e não levante, mas não há quem não caia. Minha mãe, de uns três anos para cá, caiu mais de uma vez em convulsão, mas não ante ao luzir das modernidades do mundo, ou ao apagar das velhas chamas. Caiu tal qual Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho (daquele Rio antigo), por não caber em si de tanto alumbramento de viver. Prefiro imaginar assim, a desfiar as causas físicas, orgânicas e químicas para o evento. Prefiro imaginar que o choque elétrico, o retesar dos músculos, e a ausência imediata, sejam apenas a imagem externa (sempre duvidosa) de um mundo interior, muito mais sereno e completo. Contam que quando Machado convulsionava pelas ruas do bairro, os amigos, sempre prestativos, colocavam "o mestre" sentado num banco, ou deitado ao chão, com todos a sua volta, em círculo, até que voltasse ao normal, preservando-o físico e moralmente da exposição pública. Em outros momentos, dizem que carregavam-no até a sua cama, e que depois, nunca comentavam sobre o acontecido, sabendo que os convulsionados não guardam a memória da queda. É assim também com minha mãe, sua fragilidade fica exposta a quem quiser ver, e talvez por isso mesmo, o ser humano ao redor também se revela, e na área dela, todos a querem bem. Ainda assim, peço que se você, num desses momentos, estiver perto dela (e ela é todos), que antes de tudo, apare sua queda, depois, vire-a de lado, e deixe-a assim até passar, depois, ajude-a a retomar esse mundo celerado, noiado, videoclíptico, MTVisto, internetado, muito longe dos paraísos aos quais eles terão visto e voltaram. Sabe-se lá de que mundos Machado de Assis contaria nesses momentos de ausência assistida. Minha mãe, muitas vezes, fala e ri durante o evento. Há vida na convulsão. Nós mesmos vivemos nela, há quem diga que somos a própria convulsão do Universo, por isso, prestemos mais atenção aos convulsionados do mundo. Nesse momento, cito uma frase de Fernando Pessoa que caiu convulsivamente em minha mão: “Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida.” Concordo com ele, e digo que se escrever é a minha convulsão, espero que vocês sejam os anjos que amparem meus escritos convulsivos.

2 comentários:

  1. Diz que há prazer na convulsão. Os do início do século passado (tão estranho chamar de século passado o século em que a gente nasceu, né?) gostavam de entrar nisso. Diz que Dostoievski escreveu - eu nunca li, pode ser mentira - sobre esse prazer da convulsão. Não escreveu sem comunicar sua culpa, né, porque, afinal, na Rússia, cheia de neve, e numa época sem muito o que fazer, as pessoas tinham mesmo que sentir culpa por qualquer coisa...

    Bom, você diz que escrever, pra você, tem algo de convulsão. Espero que tenha esse prazer nisso de escrever. E que não tenha culpa nenhuma, que culpa é muito chato.

    Beijo e bem vindo à blogosfera.

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  2. Anjos a postos, querido. Convulsione-se a vontade.
    Beijo,
    Shirley

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