domingo, 15 de março de 2009

"Palavra (En)Cantada"

IMPERDÍVEL para qualquer pessoa que goste de música popular brasileira e literatura. Leia a sinopse do filme:
Palavra (En)Cantada é um documentário de longa-metragem (86min), dirigido por Helena Solberg, que percorre uma viagem na história do cancioneiro brasileiro com um olhar especial para a relação entre poesia e música. Dos poetas provençais ao rap, do carnaval de rua aos poetas do morro, da bossa nova ao tropicalismo, Palavra (En)cantada passeia pela música brasileira até os dias de hoje, costurando depoimentos de grandes nomes da nossa cultura, performances musicais e surpreendente pesquisa de imagens.
O filme conta com a participação de Adriana Calcanhotto, Antônio Cícero, Arnaldo Antunes, BNegão, Chico Buarque, Ferréz, Jorge Mautner, José Celso Martinez Correa, José Miguel Wisnik, Lirinha (Cordel do Fogo Encantado), Lenine, Luiz Tatit, Maria Bethânia, Martinho da Vila, Paulo César Pinheiro, Tom Zé e Zélia Duncan. Imagens de arquivo resgatam momentos sublimes de Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Tom Jobim.
A maioria das entrevistas foi realizada na casa dos entrevistados, em atmosfera intimista, com o registro de declamações e canções especialmente para o documentário. Poemas de Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, Hilda Hilst e pérolas de nossos grandes compositores conduzem o roteiro do Palavra (En)Cantada.
Entre as músicas do filme estão Choro Bandido (Chico Buarque/Edu Lobo), Alegria, Alegria (Caetano Veloso), Alvorada (Cartola), História do Brasil (Lamartine Babo), Inclassificáveis (Arnaldo Antunes), Fábrica do Poema (Adriana Calcanhotto/Waly Salomão), 2001(Tom Zé/Rita Lee) e O Mar (Dorival Caymmi).
http://www.palavraencantada.com.br/sinopse

sábado, 14 de março de 2009

"No mundo convulsionado..."

No mundo convulsionado em que vivemos, tudo o que está em pé tende a cair. E, há quem caia e não levante, mas não há quem não caia. Minha mãe, de uns três anos para cá, caiu mais de uma vez em convulsão, mas não ante ao luzir das modernidades do mundo, ou ao apagar das velhas chamas. Caiu tal qual Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho (daquele Rio antigo), por não caber em si de tanto alumbramento de viver. Prefiro imaginar assim, a desfiar as causas físicas, orgânicas e químicas para o evento. Prefiro imaginar que o choque elétrico, o retesar dos músculos, e a ausência imediata, sejam apenas a imagem externa (sempre duvidosa) de um mundo interior, muito mais sereno e completo. Contam que quando Machado convulsionava pelas ruas do bairro, os amigos, sempre prestativos, colocavam "o mestre" sentado num banco, ou deitado ao chão, com todos a sua volta, em círculo, até que voltasse ao normal, preservando-o físico e moralmente da exposição pública. Em outros momentos, dizem que carregavam-no até a sua cama, e que depois, nunca comentavam sobre o acontecido, sabendo que os convulsionados não guardam a memória da queda. É assim também com minha mãe, sua fragilidade fica exposta a quem quiser ver, e talvez por isso mesmo, o ser humano ao redor também se revela, e na área dela, todos a querem bem. Ainda assim, peço que se você, num desses momentos, estiver perto dela (e ela é todos), que antes de tudo, apare sua queda, depois, vire-a de lado, e deixe-a assim até passar, depois, ajude-a a retomar esse mundo celerado, noiado, videoclíptico, MTVisto, internetado, muito longe dos paraísos aos quais eles terão visto e voltaram. Sabe-se lá de que mundos Machado de Assis contaria nesses momentos de ausência assistida. Minha mãe, muitas vezes, fala e ri durante o evento. Há vida na convulsão. Nós mesmos vivemos nela, há quem diga que somos a própria convulsão do Universo, por isso, prestemos mais atenção aos convulsionados do mundo. Nesse momento, cito uma frase de Fernando Pessoa que caiu convulsivamente em minha mão: “Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida.” Concordo com ele, e digo que se escrever é a minha convulsão, espero que vocês sejam os anjos que amparem meus escritos convulsivos.

sexta-feira, 13 de março de 2009

"O poder das palavras"

Outra hora (dias passam tão rápido) peguei-me a pensar na Gramática por um aspecto que jamais imaginei: seu poder facista. Tudo porque um colega (!) de classe, muito bom na Gramática, soltou duas aberrações verbais, dois acintes ao uso das palavras. Primeiro, que por ele, todo "ongueiro" devia ir para a cadeia; e depois, que uma das frases utilizadas pelo professor numa apostila, seria "viadagem". Achei os comentários tão infelizes que na hora retruquei dizendo que, hoje, as pessoas se dão ao direito de falar qualquer bobagem. Ao que ele olhou-me com cara de paisagem e seguiu sua vida acadêmica, espalhando outras bobagens por aí. Acontece que esse pensamento não largou mais da minha cabeça: fiquei a divagar no quanto uma pessoa podia, com a Gramática na cabeça, expressando-se verborragicamente, fazer estrago no mundo com seu discurso preconceituoso. Um serial-killer verbal. Fiquei imaginando como numa cadeia de acontecimentos pode-se promover o acesso social, econômico, político, e cultural de pessoas bem-informadas, mas, mal formadas ideologicamente. Imagine essa gente no serviço público. Um bando de experts das gramáticas, das filigranas das regras da Língua Portuguesa, galgando cargos, rumo aos altos escalões do governo, chegando aos píncaros da glória, ao ponto em que, ele, dicente de Letras, sempre almejou: o Ministério da Educação! Imagine que ao realizar seu sonho (merecido batalhador da causa da LP), e ao chegar lá, banir das cartilhas as frases sutis e as citações aos órgãos não-governamentais, coroando sua competência linguística. Prefiro ainda a ignorância de quem não sabe falar, não conhece as regras, mas usa as palavras de forma coerente e justa, se não bela.

quinta-feira, 12 de março de 2009

"O melhor croissant de chocolate do mundo"

Os franceses que me perdoem mas quem faz o melhor croissant de chocolate do mundo é o mineiro. E quando deito a palavra croissant, em itálico, não o faço para acentuar seu estrangeirismo, mas para que curve-se ante às palavras e ao Croação Nacional! Posso afirmar porque conheço uma padaria chamada Savassi, e qualquer um que entenda um pouco de mineirologia sabe que uma padaria com esse nome, só pode ser coisa do Triângulo (adianto que não sou mineiro, mas tenho deles o eco de um ´brigadim no ouvido). Fato é que o croação dessa padaria - que não é uma Boulangerie - é o melhor e mais bem recheado do mundo. Um verdadeiro feito do coração! Não aquelas poucas camadas de massa folheada finíssima e amanteigada que se faz em Paris (fui lá comer), com apenas um fio de chocolate a escapar-lhe das entranhas. O mineiro não, é um croação robusto, em grossas camadas de pão que guardam em si, um naco de chocolate amargo. O resto é doce! Assim é o croação do mineiro: mais do que um alimento, um ato de caridade. Talvez seja o troco ao que Nélson Rodrigues escreveu em "Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária": "O mineiro só é solidário no câncer". Isso não é verdade, o mineiro também é solidário ao fazer croação. Desfazendo injustiças: vivemos o ano da França no Brasil (a contrapartida do que tivemos lá em 2007), uma chance que os franceses tem de aprender com o coração do mineiro a fazer croissant mais generoso. Por isso, rendo tributo ao abrasileiramento das coisas. Nosso jeitinho torna muito melhor tudo o que vemos por aí. Nossa criatividade voltada para a necessidade, cria engenhos. Nossos olhos gordos, famintos, latino-americanos, sempre inventaram as mais exuberantes extravagâncias do planeta, incluindo o exagero.

quarta-feira, 11 de março de 2009

"O desaparecimento das chinelas azuis"

Sobre como os objetos desaparecem. Deparei com esse pensamento logo após ter revirado toda a casa à procura de umas chinelas. Deu-se que acendi luzes, revistei todos os cômodos, e nada. Foi tão misterioso o acontecido que passei a temer encontrá-las na porta de casa sob o capacho como se acabassem de chegar, dar com elas nos elevadores, nos corredores do prédio, passei a imaginar-lhes uns pés que dessem-lhes vida e as levassem por aí. Ao pensar nisso, lembrei de um desejo antigo de anotar tudo o que a minha observação permitisse, o que poucas vezes consegui. Deu-me que as chinelas desaparecidas eram como palavras que, quase sempre quando perdem na forma ganham em significado, mas que, quando perdidas são nada, ou apenas um fio na memória de alguém (que deveria resgatá-las). Ainda sobre chinelas e os desaparecidos, relembro a história de uma amiga que alugou um apartamento e que, ao mudar-se, deu de cara com um par de chinelas surradas­, desbotadas e ressequidas pelos meses desapercebidas no box do banheiro. Boa neurótica que era, ligou para a imobiliária para arguir e recebeu em resposta: "Sim, eram do antigo inquilino que morreu, mas não morreu aí não, foi no hospital mesmo". Na época não entendi por que desfez o negócio do apartamento, mas hoje, após o sumiço de minhas chinelas e do quão a memória dos desaparecidos podem se tornar vivazes, entendo-a perfeitamente. Por isso, registro aqui os acontecimentos e aproveito para lançar um apelo àqueles pés metafóricos para que devolvam minhas chinelas azuis...