domingo, 12 de abril de 2009

Tempo

Relativizo muito o tempo de tudo porque cada um o absorve de um jeito diferente. Observe uma árvore na encosta de um morro íngreme. Para você, no seu tempo de observação, ela estará permanentemente imóvel, tediosa até de tanta estabilidade. Agora, no tempo da árvore, ela está num movimento alucinante de resistência contra a força da gravidade que puxa morro abaixo. Das folhas mais tenras aos galhos mais robustos ergue-se em direção ao Sol, retesando o corpo arbóreo, esticando-o, emaranhando-o em galhos de outras árvores. Abaixo do solo, as raízes no mesmo movimento, enroscando-se em pedras e raízes de outras árvores, criam uma verdadeira máquina de içamento morro acima. Esse movimento pode durar dias, meses, anos, em câmera lenta que deixa o grito da árvore eternamente no ar.

Assim entendo também o escrever. Escrevo com calma e, até hoje, não deixei publicar porque ainda não dei alguns trabalhos por finalizadas. Ainda ecoam como o grito da árvore: permanentemente. Isso tem dado chance de melhorar o texto a partir do meu próprio amadurecimento. Quando você escreve o que está mais perto da alma do que da sociedade, o tempo literário torna-se mais flexível. Considero que meus escritos estão mais perto do primeiro exemplo, por isso, não tenho pressa. Para as urgências cotidianas, recorro às histórias em quadrinhos, à crônica, à poesia, aos textos curtos, e às produções acadêmicas.

Uma obra longa como um romance, uma novela, peça teatral, ou até um conto, necessita de elaboração e pesquisa que muitas vezes pode durar anos, sob o risco de não ter a devida relevância se for mau executada. Escrevo um romance desde 1997, e sou feliz por não tê-lo acabado antes, porque a trama foi afetada por grandes mudanças sociais ocorridas recentemente. No entanto, essas mudanças aumentaram ainda mais seu potencial. Então, continuo a escrever como se escrever fosse feito só para mim, ao meu sonho de perfeição.

No entanto, tenho muitas obras consideradas acabadas, apenas esperando o momento certo de publicação. Fico feliz também por ainda ter a chance de fazer a revisão dos textos em base no novo acordo ortográfico. Aqui vai uma lista de algumas obras escritas para teatro: “Voz da miséria artística” (89), “A velha dona” (91), “Retrato em 3X4” (91), “A santa Ceia” (93), “A filantropia do escárnio” (95), “As Irmãs” (97), “O olho censurado” (98), “Acqua Velva”* (99), e “Uma Saudosa Maloca”*. Contos: “O Milagre no Castro” (05), “A idade Eterna” (07), “A amante de Menelau” (07), “A guerra do mundo cão” (08). Poesia: “Poesia de quarto escuro”*. Romances: “ELE INDEFINIDO”* e “Monte Santo”*. Espero, um dia, no tempo em que essas obras sejam lidas, a vitória da árvore, seja a recompensa de um trabalho árduo de escrita.

domingo, 5 de abril de 2009

Mensagem

Sempre gostei de ler mensagens subliminares (mesmo explícitas), dessas que povoam os espaços vazios, as telas em branco do mundo: guardanapos, portas de banheiro, carteiras de escola, arte rupestre, árvores talhadas, modernos sticks, grafites urbanos, tatuagens, nomes no gesso, escritos no corpo, gosto até da pichação vândala.

Confesso, no entanto, que nunca fui de escrever por aí (sou mais da celulose e do virtual), mas sou um dedicado leitor-observador desses arranjos midiático-linguísticos. Nesses observações, acompanhei desde o início, durante dois semestres na Faculdade, uma batalha silenciosa, oculta, intrigante, entre um mensageiro anônimo e um faxineiro de banheiro.

Era assim, o mensageiro era especializado em escrever nos rolos de papel higiênico. Abria o contenedor plástico, e escrevia na largura do papel que ficava exposto: "Deixe de ler a Bíblia e leia um livro", "Leia enquanto caga", "Não seja crente, seja inteligente!", "A Bíblia é do Demo. Deus é livro.", ao que o faxineiro, tinha o mesmo trabalho, para escrever: "Deus é fiel", "Só Cristo salva", "Jesus é amor."

Essa batalha pouco acirrava mas persistia. Vez ou outra, um palavrão por parte do mensageiro, de vez em quando, uma excomunhão por parte do faxineiro (arvorado defensor da Bíblia): "Vai queimar no inferno", escreveu ele um dia. Em geral, a mensagem tinha um padrão. Nos últimos tempos o mensageiro, no entanto, acostumou-se a assinar 666, o que deixava o outro enfurecido. Eu deliciava esse espetáculo todo dia. Pensei intervir, mas vi que era correspondência a dois.

Ficaram assim por meses. O mensageiro expandiu seu ataque para outros banheiros, o que foi seguido de perto pelo faxineiro. Um dia, subitamente o mensageiro parou de escrever, provavelmente porque saiu da Faculdade. Aí desconfiei de quem seria, (tive certeza na verdade), mas guardo sigilo disso, faz parte da ética das palavras. Quanto ao faxineiro, sempre soube quem era porque vi mais de uma vez a bíblia entre seus pertences deixados num cantinho do banheiro.

O que mais chamou minha atenção nisso tudo foi que o faxineiro nunca mais escreveu suas orações, bençãos, excomunhões ou mensagens de amor a Jesus ou a Deus. Só escrevia se motivado pelo mal (como tantas vezes escreveu, até com "u"). Por conta própria, por altruísmo, jamais escreveu uma palavra, só reagia, não agia em nome de sua crença. Assim fazia o mensageiro. Sinto falta daquele demônio que atiçava bons pensamentos.

sábado, 4 de abril de 2009

Sujeito e pessoa

Acho terrível que nesse mundo moderno tenham deslocado o sujeito da pessoa. Há quem aja da pior forma possível sob a máscara da Ética, acreditando ser justificável agir assim para tirar de cena um sujeito (que nesse caso, promoveu uma ação), utilizando-se de recursos que passam do vampirismo à canibalização, da rapinagem à predação (entre as vilanias humanas e animais), com o discurso de que não tem nada de pessoal contra a pessoa prejudicada.

Deslocaram tanto que virou esquizofrenia. Pessoas declaram abertamente seu ódio, cobiça, baixa auto-estima, e ao mesmo tempo, querem ser amadas, respeitadas, e festejadas! Paradoxos modernos: gente que entra no ônibus, senta na janela, e no ponto final, quer descer antes de todo mundo, pisando na cabeça de quem estiver no caminho. Nas escolhas são sempre as primeiras com a justificativa de que, se não for assim, serão as últimas. Gente que não sabe estar por último. Gente que não sabe ser caminho entre uma coisa e outra.

Gente assim, muitas vezes, esconde-se sob a máscara da fragilidade, da humildade, da compaixão cristã. Quando minimamente incomodadas por pessoa ou situação, jamais resignam-se, não observam em perspectiva, nem se importam com a índole e o lado emocional de cada um, nem tem boa-vontade (grande página da Ética em Kant). Ao contrário, cegas, querem reparação e vão até às últimas consequências. Quando conseguem desculpas, não aceitam, e aí começa a batalha. Repare como é comum uma guerra ser acirrada após um pedido de desculpas.

Caso parecido ao dos mendigos que espancaram a velhinha que lhes dava de comer. Pai que mata filha. Neto que bate na avó. Babá que bate em bebê, enfermeira que espanca idosos. Bestialidades humanas que vemos dia-a-dia no circo de horrores que é o mundo. Pessoas escandalizadas reagem munidas de uma ética eletrônica. Ética porque está sendo filmada, ética para sair na foto, ética porque está todo mundo olhando. Fora isso, é selvageria pura. É gente comendo gente.
Fico com pena do tigre amestrado que mordeu a cabeça do adestrador.

Mordeu provavelmente influenciado pela fome do homem.

Foi gente ética quem julgou Sócrates, que retratou-se e esse foi seu fim. Desde aqueles tempos todo o remédio do mundo não pode curar quem não aceita desculpa. É uma mágoa que transborda em intolerância: fiel que não perdoa; bom que não aceita; inteligência que faz de escada gente utilitária. Vive-se em duplicidade, num jogo de sentidos ocultos em que se maneja o desfecho trágico. Saber a verdade, saber medir a verdade, saber mesurar sua justeza para com a verdade seria nossa dívida ética para com Nietzche. Nosso acerto de contas para com Sócrates. Nossa dívida para com as pessoas que foram separadas dos sujeitos por conveniências da modernidade.