domingo, 5 de abril de 2009

Mensagem

Sempre gostei de ler mensagens subliminares (mesmo explícitas), dessas que povoam os espaços vazios, as telas em branco do mundo: guardanapos, portas de banheiro, carteiras de escola, arte rupestre, árvores talhadas, modernos sticks, grafites urbanos, tatuagens, nomes no gesso, escritos no corpo, gosto até da pichação vândala.

Confesso, no entanto, que nunca fui de escrever por aí (sou mais da celulose e do virtual), mas sou um dedicado leitor-observador desses arranjos midiático-linguísticos. Nesses observações, acompanhei desde o início, durante dois semestres na Faculdade, uma batalha silenciosa, oculta, intrigante, entre um mensageiro anônimo e um faxineiro de banheiro.

Era assim, o mensageiro era especializado em escrever nos rolos de papel higiênico. Abria o contenedor plástico, e escrevia na largura do papel que ficava exposto: "Deixe de ler a Bíblia e leia um livro", "Leia enquanto caga", "Não seja crente, seja inteligente!", "A Bíblia é do Demo. Deus é livro.", ao que o faxineiro, tinha o mesmo trabalho, para escrever: "Deus é fiel", "Só Cristo salva", "Jesus é amor."

Essa batalha pouco acirrava mas persistia. Vez ou outra, um palavrão por parte do mensageiro, de vez em quando, uma excomunhão por parte do faxineiro (arvorado defensor da Bíblia): "Vai queimar no inferno", escreveu ele um dia. Em geral, a mensagem tinha um padrão. Nos últimos tempos o mensageiro, no entanto, acostumou-se a assinar 666, o que deixava o outro enfurecido. Eu deliciava esse espetáculo todo dia. Pensei intervir, mas vi que era correspondência a dois.

Ficaram assim por meses. O mensageiro expandiu seu ataque para outros banheiros, o que foi seguido de perto pelo faxineiro. Um dia, subitamente o mensageiro parou de escrever, provavelmente porque saiu da Faculdade. Aí desconfiei de quem seria, (tive certeza na verdade), mas guardo sigilo disso, faz parte da ética das palavras. Quanto ao faxineiro, sempre soube quem era porque vi mais de uma vez a bíblia entre seus pertences deixados num cantinho do banheiro.

O que mais chamou minha atenção nisso tudo foi que o faxineiro nunca mais escreveu suas orações, bençãos, excomunhões ou mensagens de amor a Jesus ou a Deus. Só escrevia se motivado pelo mal (como tantas vezes escreveu, até com "u"). Por conta própria, por altruísmo, jamais escreveu uma palavra, só reagia, não agia em nome de sua crença. Assim fazia o mensageiro. Sinto falta daquele demônio que atiçava bons pensamentos.

4 comentários:

  1. Klaus, como é que você me manteve fora desse testemunho por tanto tempo? Eu, sabidamente menina, jamais saberia que tinha um demonio no banheiro ao lado. Adorei essa história.
    Um beijo nessa tarde chuvosa na qual me delicio,
    Shirley

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  2. Engraçado, nunca reparei nesses diálogos por lá...

    Acho que até hoje só entrei em banheiros "mudos"... =P

    Abraço, Klaus!

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  3. Calixto, acho que você foi pouco ao banheiro...

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